Uma vez eu ouvi que se a gente dedicasse mais tempo nas soluções, sobraria menos tempo para as reclamações… mas será que essa frase é válida quando se trata dos serviços de atendimento ao consumidor das empresas litigantes habituais?
A grande verdade é que, para os canais de reclamação próprios das grandes empresas prestadores de serviço em massa no Brasil, a maior arma contra o estresse do cliente é habilidade do atendente do SAC de causar mais estresse no cliente. Entendeu?
Atendentes contratados por grandes empresas de telefonia relataram técnicas usadas para manipular o cliente, e que são passadas de chefe para funcionário, com o único intuito de alcançar metas traçadas pelas próprias empresas das quais fazem parte.
Uma atendente que se identificou como Roxene narra como é orientada a agir quando um consumidor liga querendo cancelar determinado serviço. De acordo com Roxene, a meta é não dar andamento ao cancelamento do cliente e criar formas para que ele continue na operadora de telefonia.
Para alcançar o seu objetivo, a cada ligação, é preciso trabalhar de forma que o consumidor não consiga efetuar o cancelamento:
“Na hora que o cliente tá muito irritado, porque eles obrigam a gente fazer isso com o cliente, aí a gente pega e transfere o cliente pra outro setor, passa o número de protocolo errado. As vezes, até chega ao ponto de desligar o cliente”.
Explica Roxene, que informa a existência de sanções que podem levar até ao desconto de três dias no salário, caso o consumidor consiga efetuar o cancelamento.
Uma operadora de telemarketing de outra grande empresa de telefonia revelou algumas estratégias que são ensinadas aos tele atendentes objetivando segurar os clientes.
Segundo a funcionária, no treinamento de vários dias passado pela empresa, é ensinado aos funcionários que quanto mais difícil a linguagem usada com o cliente, mais chances de segurá-lo, tendo em vista o fato de que, ao não entender a linguagem, o cliente acaba desligando o telefone e desistindo de cancelar o serviço.
A estudante Maria Cintra, cliente de uma grande operadora, alega que haviam vários serviços nunca contratados em sua fatura de telefonia e que o seu plano foi modificado – para um mais oneroso – sem o seu conhecimento.
“Quando recebi minha fatura do último mês, havia um total de R$95,33 só de cobrança indevida. Quantos clientes pagam esses valores indevidamente até hoje e não sabem? Quanto a empresa lucra com isso, mês a mês?”, indaga Maria.
A atendente de telemarketing Roxene explica o motivo das várias cobranças indevidas a diversos consumidores. Segundo a atendente, muitas vezes, serviços nunca solicitados são ativados assim que os clientes confirmam os dados:
“Às vezes, o cliente nem tem noção do que ele tá pagando! Na grande maioria das vezes o consumidor está recebendo um produto na casa dele sem ele conhecer. E isso está acontecendo agora, com milhões de pessoas. Tudo proposital”, afirma Roxene.
O secretário-geral do Sindicato dos Trabalhadores em Telecomunicações e Telemarketing (Sinttel), Tiago Cassiano, confirma que os funcionários são pressionados dentro das empresas para conseguir atingir as metas. Ele fala como essas exigências podem trazer consequências negativas para o operador. “Nós temos hoje jovens com depressão, com estresse. É jovem que tem no seu dia a dia medicamentos de tarja preta jovens fazendo tratamento”, critica.
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) informou que, as práticas utilizadas pelos operadores, como falar difícil ou acionar planos sem a autorização dos clientes, são abusivas, proibidas pela legislação que regula a operação de telemarketing. O vice-presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB, Bruno Burgarelli, explica que informações falsas podem gerar multas às empresas e o pagamento de danos morais e materiais ao consumidor.
“É fundamental que o consumidor tenha o maior número de dados em relação ao que foi fechado no telemarketing. Cópia do contrato por escrito, seja informações sobre o que foi passada pelo operador de telemarketing, o número de protocolo, o dia do atendimento, o horário do atendimento. Essas informações podem ser muito úteis numa eventual discussão judicial ou extra-judicial”, afirma Burgarelli.